sexta-feira, 8 de abril de 2011

SELVA

Vivemos todos numa selva revestida de ética e etiqueta, para ofuscar o animal que somos. Nesta selva a maioria já pensa que a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas.
Estou a falar duma selva que tanto mal nos faz, mas que muitos querem perpetuar até que a morte nos venha defraudar do benefício da vida. Esta selva, que muitos já reconhecem ser globalizada, tem sido governada por pessoas conscientes de que estarão no poder enquanto a ignorância e a pobreza dominar. Sendo assim, perpetuam a nossa miséria para perpetuarem-se no poder.
Para fazer pensar que nós os mofinos da selva temos poder, fazem uso constante do despotismo esclarecido denominado de democracia. Esse é o regime que cria grupos de vilões que brigam entre si para mostrar ao povo (eleitores) quem é mais democrático. No fundo o povo não dá a mínima pra isso. O que interessa ao povo é saber se finalmente vai ter comida, educação, saúde e habitação, independentemente, do governo ser democrático, teocrático, liberalista, socialista, comunista ou até mesmo fascista. Se as pessoas estão bem, pouco importa os regimes ou as políticas.
Já dizia o sábio Jorge Barbosa através da poesia que intitulou precisamente de “simplicidade”, que queria ser simples e (só assim) a sua vida seria sem ódio, sem inveja, sem remorsos e a sua felicidade não incomodaria ninguém. Lembro-me dessa poesia porque actualmente as pessoas já não querem ser iguais, querem ser sempre superiores.
O grau de instrução é a forma mais utilizada para se sentir superior. Tanto é que, ao conhecer uma pessoa entre as primeiras perguntas estará sempre uma referente ao seu grau de instrução. À algum tempo, estando eu a trabalhar, chegou até mim um senhor que se queixava porque tinha o nome semelhante a de uma outra pessoa e que por isso, (para diferenciar) não abria mão do seu título de Doutor. Dizia que na base de dados devia constar o seu nome antecedido de um Dr. Esta é a selva em que vivemos, tratar cordialmente alguém por Sr. já não satisfaz. 
Sinto uma certa estranheza quando pessoas me perguntam o que sou. Esperam normalmente que responda economista, médico, geógrafo, enfim, que diga se sou ou não licenciado. Não sei como três, quatro ou cinco anos podem fazer de mim alguma coisa, quando passei a vida toda construindo um carácter.
Por falar em carácter, esse é precisamente o que está faltando nesta selva. Na realidade, carácter é algo muito pouco presente. Como já dizia alguém, o ter já se sobrepôs ao ser. Ninguém quer ficar em casa cuidando do próprio filho porque o mais importante é a estabilidade profissional que por sua vez, pode oferecer uma vida mais digna. O interessante é que não há dignidade quando os filhos não conhecem seus pais e não há paz quando um filho chega drogado em casa. Todos querem fazer da vida um trapézio sem rede, uns dizem que é adrenalina outros chamam-na de risco, mas não apercebem que na vida há quedas.  
Não obstante disso, aumenta o consumo de álcool. Os governantes mais uma vez não vão te socorrer porque são os principais consumidores e quem fabrica é precisamente o amigo que financia as campanhas. Ninguém se apercebe disso porque tentam a todo custo nos ofuscar com conversas de petróleos, de novas áfricas, de mundos novos e até de casas para todos. Esta é a selva apenas comparada a uma luta de vale tudo, vale tudo para vencer as eleições. Já não há debates…, mas você também nem liga, está a ver novelas!   
Esta é mesmo uma selva. Já não é necessário ter medo de sair de casa, porque o teu maior inimigo está dentro de casa. É a pessoa que você tanto quer bem, mas que por causa do egoísmo, desdém ou egocentrismo não sacrificou o ontem e faz do teu hoje um inferno.
Nesta selva dá orgulho ser-se ateu. Os maiores intelectuais são todos ateus e querem fazer-nos pensar que acreditar em Deus é promiscuidade e que turismo sexual e pedofilia são futurismos. Fico triste quando vejo pessoas como Saramago serem laureados com prémios Nobel, prémios esses, que no que se refere a literatura tem sido uma autêntica apologia a promiscuidade.
Não vivi muito, mas já deu pra perceber que isso vai de mal a pior. Nostalgicamente lembro que era bonito ir-se a igreja, agora isso tornou-se leviandade. Quando se fazia cuscuz um pedaço era para o vizinho, hoje se esconde a comida até mesmo do filho. Quando uma pessoa deixava de ocupar um cargo e andar a pé era afectuosamente chamada de séria, hoje isso é burrice. Não estou a falar de valores nem de coisas difíceis. Estou a falar da nossa vida, do que fomos e no que tornamos. Quero que aperceba que este país se tornou uma selva. Uma selva que satisfaz apenas aqueles que governam e aqueles que vendem, aqueles que vendem tudo, até mesmo aquilo que te mata.
Esta é uma selva que precisam manter porque assim, vamos continuar sendo animais com ética, que utiliza a etiqueta para parecermos mais belos do que somos.
 Altino Ferreira