domingo, 11 de dezembro de 2011

A Igreja: obstáculo para a fé?


O título em forma interrogativa desta crónica foi sugerido por uma afirmação cuja autoria não pertence a nenhum teólogo perigoso, mas ao próprio Papa Bento XVI, quando era simplesmente Joseph Ratzinger: "Hoje, a Igreja converteu-se para muitos no principal obstáculo para a fé." Afinal, apenas uma constatação. É verdade que, sem a Igreja, como se teria ouvido falar de Jesus e do Deus de Jesus? Mas, por outro lado, lá está o teólogo J. I. González-Faus a dizer que a Cúria é responsável por mais ateus do que Marx, Nietzsche e Freud juntos.
Já aqui apresentei as ideias fundamentais da mais recente obra de Hans Küng: Ist die Kirche noch zu retten? (A Igreja ainda tem salvação?). Retomo a questão, partindo de uma entrevista sua à SWR2, a propósito do livro.
A quem o acusa de ressentimento responde: "Não. Julgo que continuo a ser capaz de falar muito bem com o Papa pessoalmente. Continuamos a manter correspondência e ele sabe que a minha preocupação é simplesmente a Igreja, mas que tenho uma concepção diametralmente oposta à sua no que se refere ao caminho a seguir. Interessa-me ressaltar que não chegámos a esta situação através do Papa Ratzinger, mas como evolução a partir do século XI." Aliás, enviou o livro a todos os bispos alemães, e as reacções foram "cordiais", e também a Bento XVI, com "uma carta cortês", na qual expunha como a sua intenção é ajudar a Igreja. E Ratzinger, num "gesto positivo", fez-lhe chegar o seu agradecimento.
Como exemplo da crise que atravessa a Igreja apresenta o caso da sua própria comunidade na Suíça. Havia quatro padres, hoje não há nenhum. Há um diácono fantástico, mas ele não pode presidir à Eucaristia por não ter sido ordenado sacerdote, e não pode sê-lo, porque é casado. "É completamente absurdo. Temos de abordar uma série de pontos muito concretos: 1. o celibato tem de ser opcional; 2. as mulheres têm de ter acesso aos cargos eclesiais; 3. é preciso permitir que os divorciados participem na Eucaristia; 4. deve estabelecer-se comunidades eucarísticas entre as diferentes confissões cristãs, sem se ter de esperar outros 400 anos."
Quando se faz o diagnóstico, vai-se ter inevitavelmente à reforma gregoriana. "A doença é o sistema romano", cujo gérmen foi introduzido com a chamada reforma gregoriana de Gregório VII, no século XI. Foi aí que se introduziu o papismo, o absolutismo papal, segundo o qual uma só pessoa na Igreja tem a última palavra. Isso produziu a cisão da Igreja Oriental. Aí radica o predomínio do clero sobre os leigos e o celibato obrigatório. A Reforma não teve êxito. O Vaticano II tentou lutar contra a situação, mas, com os dois últimos Papas, entrámos no restauracionismo.