quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Cabo Verde e a atitude empreendedora - Do acaso a intencionalidade


"Quem não sabe o que procura não entende o que encontra" (anónimo)

Por tudo que se tem dito, assumidamente pode-se declarar que Cabo Verde entrou na sua era do empreendedorismo. Pelo menos nos discursos e nas mobilizações, o termo se tornou pano de fundo para quase tudo, o que inspira discutir a assunção intencional dos objetivos de curto, médio e longo prazo dos diferentes atores, bem como, o posicionamento necessário quanto a revisão dos valores estimulantes.
                       
De entre notas soltas e rascunhos guardados, o diálogo “Alice no país das maravilhas” dá mote a mais essa reflexão.

Pergunta a Alice ao gato: - Pode me dizer por favor em que direção devo ir?
Responde o Gato: - Isso depende muito de a onde queres ir.
Diz a Alice: - Eu não me importo muito para aonde vou.
Responde o gato: - Então não importa qual a direção, tomes qualquer um que lá vais chegar.” (CARROL, Lewis 1865)

Numa versão mais contextualizada a música cabo-verdiana “hoji undi da ki panha” incita em si algum paralelismo a esse conto de fada. Em presença, a palavra “ambição” é um tabu,que confundível ao termo “ganância” retira da mesma todo o sentido construtivista da sua aplicação.

Para esta abordagem a “ambição” é aqui entendida como propósito firme, razoável e alcançável. Pode ser considerado como meta que pressupõe trabalho, capacitação e dedicação valorado. A sua assunção à partida, prevê uma intencionalidade atingível que mesmo quando arrojada, deve arrastar consigo valores como a ética, a clareza, o esforço, a disciplina, a persistência e a perseverança.

Na verdade, a ambição sem medida, pode ser negativa. Olhando por este prisma, ela seria apanágio de “Alices” e gananciosos que, por oportunismo, nunca a assumem e nem a definem de forma clara. O perigoso jogo do atalho, consciente ou inconsciente, substitui a iniciativa intencional construtivista do termo, como caminho para se atingir os objetivos. Aliás, tais sujeitos nunca valorizam os meios, a sua licitude ou sustentabilidade, mas sim os fins.

Em face, indivíduos com essas características, mesmo desprovidos de ideias próprias, têm um apurado censo de oportunismo. Por não ter um norte definido, não se preocupa com outros valores e embarca em qualquer direção. Apodera-se de um vasto número de oportunidades que mal consegue gerir. Perde foco e ao sentir-se confuso joga permanentemente na contramão de iniciativas concorrentes intencionais bem-sucedidas. Isto tudo, porque não ambiciona construir e nem se importa com o percurso do ser. Impõe fugir a essa tentação, da mesma maneira, que se imputa afastar-se do velho conceito clássico castradora do impulso orientador do termo ambição ou do conceito da libertação permissiva a tudo.

Da mesma forma que se condena a ambição desmedida, também seria condenável a ausência de ambição. Já dizia alguém, “a falta de ambição, torna uma sociedade amorfa”, o que pode abrir um caminho perigoso para aqueles que sem ideal alinham na perspetiva de“undi da ki panha”. Porém, não confundir com o estilo de vida livre, intencionalmente, adotado por opção própria de alguns.

O momento clama para um enquadramento do termo ambição no seu sentido positivo e construtivista, o que implica um C-L-I-C-K á moda do famoso conceito da futuróloga americana Popcorn, onde cada partícula consubstancie num atributo indispensável á essa ação intencional:

C = Courage (coragem), para abandonar conceitos tradicionais e reconhecer que as coisas estão a mudar.
L = Letting go (abrir mão), o que significa libertar-se de velhas ideias e desenvolver novas ideias.
I = Insight (olhar para dentro), uma atitude introspetiva para reconhecer o que fazemos bem e o que podemos melhorar.
C = Commitment (compromisso), que se refere ao compromisso de ser fiel a uma ideia.
K = Know-how, saber como fazer as coisas. (POPCORN, Faith 1997)

Em algumas sociedades, é usual um indivíduo determinar-se que quer ser o melhor lenhador, vendedor, pedreiro, investigador, desportista, político ou artista. Quando assim todos se congratulam, incentivando-o a encontrar a melhor escola, os melhores mestres ou adotar as melhores metodologias de treinamento, disciplina e sentido de desenvolvimento de valores correspondentes. A competição é vista como algo salutar. Cada etapa merece acompanhamento dos tutores e a passagem de nível a uma comemoração. Tudo ensina como manter o foco e como desenvolver a excelência de forma intencional.

Ao contrário do que acontece na nossa realidade, ambicionar ser o melhor ou atingir uma meta, não são vistos como falta de modéstia já que a própria humildade é um valor intrínseco, adequado e intencionalmente desenvolvido como qualidade do bom e daquele que ambiciona ser o melhor, porém, pouco ou nada valorizado por quem não sabe aonde quer chegar.

Definitivamente, a justificação das incertezas, com base na fragilidade da nossa economia, não pode mais servir de desculpas se se pretende ambicionar a excelência. São essas mesmas fragilidades que instigam os indivíduos numa economia similar a ter ambição e a desejar a excelência. Pois, só por esta via uma economia com base, essencialmente, nos recursos humanos se sobrepõe às outras.

A excelência como valor acrescentado, salvo rara exceção, não é fruto do acaso mas sim de estratégia intencional. Dai, a subscrição de que a definição de um plano intencional orientador constitui a base sobre o qual se deve estabelecer o progresso da atitude empreendedora, generalizada para todos os setores, devendo partir da atitude do indivíduo para afetar todo o ambiente empreendedor.

Se um dia a palavra ambição deixar de ser tabu, todo o candidato político passaria à assumir a ambição de ser candidato, a escrever e explicar a sua moção de estratégia, a sua plataforma eleitoral e demonstrar as suas competências; o funcionário público não se esqueceria do processo do primo distante numa gaveta qualquer; o jovem empreendedor passaria a escrever o seu plano de desenvolvimento pessoal e de negócio; o servidor público valorizaria a importância da produtividade e da resposta on time; a excelência e a competência consubstanciar-se-iam como regras em tudo; os casos de sucessos seriam devidamente partilhados e se estimularia a boa sucessão nas gerações; Enfim, o que tem de ser será e jamais seria no condicional.

Entretanto, a ambição intencional ela é dinâmica e obriga a não se prender na rigidez do ponto de vista. Ela deverá ser interpretada como valor ou linha mestra em torno do qual se estabelecerá a atitude empreendedora. O seguimento da dinâmica e os ajustes necessários no percurso, consubstanciam-se em mecanismos assessórios importantes, evitando, no dizer de alguém, que a intencionalidade se torne “navios eternamente ancorados numa baia de águas calmas” (JULIO, Carlos, 2007).

Enfim, retornando aos rascunhos, "Quem não sabe o que procura não entende o que encontra". Para se chegar a qualquer sítio precisa-se saber ao menos aonde se quer chegar.

E depois de tudo isso, valerá a pena “undi da ki panha”?

José Rebelo