domingo, 17 de novembro de 2019

Sumário Executivo do diagnóstico participativo: Um breve olhar sobre o bairro AMADO - SAFENDE


Extraído do diagnóstico participativo feito ao bairro de Safende em 2012, liderado pelo Espaço Aberto Safende, segue um resumo apropriado sobre Safende, suas potencialidades e seus desafios. Recomendamos sua leitura a todos e a cada um dos cidadãos que se preocupam com Safende e sua maior riqueza que são as suas gentes.


O Pré‐diagnóstico Participativo ao Bairro de Safende teve como objectivos específicos: Conhecer elementos de composição social do bairro; Caracterizar o bairro do ponto de vista demográfico, urbanístico e socioeconómico; Compreender as necessidades identificadas pela população e pelos atores sociais locais; Mapear os recursos e as boas práticas existentes no bairro; Identificar eixos de orientação estratégica para a intervenção; Fortalecer o envolvimento e a participação da população no desenvolvimento comunitário. Este prévio conhecimento do bairro servirá de base para uma análise mais aprofundada, que complete os indicadores e as fontes aqui apresentadas, e que permita a criação de um plano de acção participativo para a melhoria das condições de vida da população.

Metodologicamente utilizamos duas dimensões analíticas: uma quantitativa, de leitura dos Censos 2000 e 2010 relativos ao bairro, e outra qualitativa, a central e orientadora deste pré‐diagnóstico, proveniente da informação recolhida localmente através da observação participante, dos grupos focais, e das entrevistas, junto a 224 moradores pertencentes a diversos grupos etários, e 18 instituições com intervenção directa e indirecta no bairro.

O bairro de Safende localizado a norte da Cidade da Praia (delimitada pelos bairros de Vila Nova, Calabaceira, Ponta D’Agua e Achada S. Filipe) é um bairro caracterizado maioritariamente pela ocupação espontânea iniciada nos anos 70, que se insere num processo de suburbanização intimamente ligado ao crescimento demográfico da cidade da Praia, decorrente do êxodo das populações das zonas rurais, motivadas pela procura de melhores condições de vida.

Como todo o bairro de construção espontânea, Safende é caracterizada por um desordenamento urbanístico e heterogeneidade arquitectónica, num território considerado com uma morfologia particularmente difícil, atravessada por uma ribeira e por várias linhas de água e zonas de encosta de inclinação elevada, que albergam construções caóticas resultantes de uma ocupação sem planeamento e controlo, que resultam em muitos problemas para a população, como o risco de desabamentos, inundações, e dificuldades na instalação de infra-estruturas básicas, como ligação domiciliária de água, electricidade, telecomunicações e rede de esgoto.



Com uma população estimada de 6.154 habitantes, repartidas por 1.499 famílias, Safende é o 6.º bairro mais populoso da capital do país. O crescimento demográfico do bairro fez‐se de forma exponencial. Em 20 anos a sua população quase que triplicou (2.379 habitantes em 1990 para 6.154 em 2010), sendo que a tendência é para um crescimento tanto da densidade habitacional como populacional. É um bairro jovem, em que 58,3% dos seus habitantes tem idade inferior a 25 anos. O número de mulheres é ligeiramente superior ao dos homens (50,7% contra 49,3), e o seu peso é maior na faixa etária a partir dos 40 anos. Apesar de predominar a família nuclear (24,7%), as famílias alargadas, sejam elas conjugais ou não, assumem uma grande dimensão (35,8%).


O crescimento populacional do bairro, aliado á ausência de políticas urbanas abrangentes, de requalificação da habitação e dos espaços públicos, de criação de infra-estruturas e de equipamentos colectivos adequados às necessidades das populações, conduziu a um crescimento urbano caótico e desqualificado em termos sociais e urbanísticos, geradores de dinâmicas de exclusão social, que colocam a população num nível insuficiente de acesso aos seus direitos humanos básicos como o direito à habitação condigna, água, saneamento básico, entre outros. Acrescentando a isso, temos uma população pouco escolarizada, insuficiência das estruturas e dinâmicas educacionais e de capacitação profissional que originam desigualdades no acesso ao emprego, e na mobilidade social.

Em relação às representações sobre o bairro emerge uma visão negativa comum, de bairro carente de infra-estruturas, bens e serviços, violento, pouco valorizado e marginalizado, resultado de uma interacção entre a interiorização dos problemas vividos e a reprodução de uma imagem externa estigmatizada que o segrega. Embora existam amizades, uniões e solidariedades que sustentam a vida comunitária, ela é circunscrita a cada subzona mais do que ao território no seu conjunto. Existem entre moradores de subzonas diferentes relações polarizadas e de poder, caracterizadas por atitudes discriminatórias, sendo que a interiorização desse estigma, cria divisões e dificuldades de comunicação e relacionamento entre elas. Essa visão negativa e fragmentada sobre o território, dificulta a união e a articulação dos moradores para fins de desenvolvimento comunitário.




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Contrariando esta força fragmentadora, encontramos ao mesmo tempo, uma representação social positiva em que as pessoas e a sua dinâmica (solidariedade, amizade, convivência, actividades locais,“djunta mon” para acções e construções comunitárias) são consideradas a maior potencialidade e recurso do bairro, por sustentar a vida social e comunitária. Um movimento de acção comunitária protagonizado pelo Espaço Aberto de Safende, pela Associação para o Desenvolvimento de Safende, e ainda por alguns moradores líderes comunitários, que tem promovido a melhoria das condições de vida, e criado um sentido de unidade, de reconhecimento social positivo (na tentativa de romper com a generalidade dos discursos externamente produzidos que tem afectado a forma como o bairro de Safende é visto, sentido e vivido) tem tido poucos apoios para se desenvolver e alargar a sua acção comunitária, afectando claramente o seu nível de resposta aos problemas comunitários.
Na perspectiva da população e das instituições locais, este capital humano é ignorado pelos poderes públicos, que poderiam investir mais na participação e dinâmica comunitária, no sentido de aproveitar os conhecimentos, as competências, e o tempo dos moradores para terem um papel mais activo e profissional no seu bairro.

O investimento ou não no desenvolvimento comunitário e no empoderamento da população, irá configurar futuramente o nível de bem‐estar da população de Safende, o aumento ou a diminuição de percursos de marginalização social, as suas oportunidades, o seu nível de saúde e equilíbrio mental, ou seja irá aumentar as desigualdades e a injustiça social ou promover a justiça a sustentabilidade social do bairro de Safende. Das necessidades identificadas pela população, constatamos um território frágil tanto a nível económico, social e ambiental, perante um fraco investimento na requalificação urbana, e no seu desenvolvimento económico e social.

Das necessidades consideradas prioritárias pela população do bairro de Safende, o desemprego é a única comum a todas as subzonas e a jovens e adultos, seguindo‐se da necessidade de melhoria do abastecimento e da qualidade da água. A carência de infra-estruturas de lazer e educativas assumem uma grande importância para os jovens das subzonas de Safende, face à sua importância para o seu desenvolvimento harmonioso. A falta de apoio a pessoas mais vulneráveis como os idosos, crianças, mães solteiras, portadoras de deficiência é outra preocupação comum da população de 3 subzonas sobretudo dos adultos. Os jovens que praticam violência e a sua ligação á insegurança pública foram identificados em 3 subzonas como prioritário a resolver, sendo que em Baixo Safende assume uma importância maior. A má acessibilidade é uma preocupação sobretudo de Alto Safende. A reabilitação de casas degradadas é uma necessidade prioritária identificada em 2 subzonas, assim como a falta de ligação á rede de esgotos.


O acesso limitado às infra-estruturas básicas como água e saneamento, a água pouco potável, o deficiente sistema de recolha de lixo e de limpeza do bairro, as práticas da população de deitar lixo e águas residuais ao redor da casa, colocam o bairro em sério risco de saúde pública e de degradação ambiental. A recente ligação de água domiciliária e rede de esgoto a algumas habitações é um grande ganho na perspectiva da população, mas a maioria ainda não beneficiou dessa melhoria tão esperada.

As condições de habitabilidade são precárias, existem muitas casas em risco de ruírem, e um número considerável de famílias a partilharem pequenos espaços comuns sem WC e cozinha. De acordo com a população, as intervenções realizadas na melhoria das habitações têm sido muito pontuais e insuficientes face às necessidades sentidas, e ainda de baixa qualidade. O desconhecimento das situações consideradas de risco, e acções concretas de requalificação urbana dessas áreas, constituem uma preocupação da população e das instituições locais.

As infra-estruturas públicas de lazer e os recursos educativos são escassos, colocando muitas crianças e jovens na rua em risco de enveredarem por comportamentos de risco e percursos de marginalização social. O investimento nesse sector tem sido fraco pelos poderes públicos. A população entre 0‐24 anos representa 58% dos Safendenses. Deste valor 23,9% tem entre 15‐24, o que por si só já justifica a importância de acções específicas para esse expressivo contingente da sua população, que apresenta uma condição de pobreza e muitos com percursos de marginalização social.
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O desemprego, e a inactividade de uma grande parte de mulheres e jovens dificultam a sobrevivência de muitas famílias, e coloca‐as numa situação de vulnerabilidade e de exclusão social. Muitas famílias encontram formas informais de sobrevivência como a venda ambulante, e pequenos negócios em casa, sendo algumas de venda de álcool. Os jovens enfrentam dificuldades singulares quanto à inserção no mercado de mercado, devido à sua fraca escolaridade e falta de formação profissional, deficit de competências sociais e profissionais, falta de integração no mercado de trabalho após formação, baixo capital social, falta de acções de informação e orientação profissional, e de apoio ao empreendedorismo. Essa inserção precária confere às vidas dos jovens um caracter de instabilidade, de dependência, de ansiedade e sonho por uma vida melhor e independente.


O insucesso e abandono escolar, a falta de ocupação dos jovens, perda de controlo familiar e comunitário, a droga (tanto o consumo como o trafico) e o consumo do álcool, a necessidade de exercer o seu poder e influência no seio do grupo de pares, a demarcação do território e protecção das pessoas, bens, e imagem do bairro (exercício da masculinidade), a revolta sentida devido á falta de oportunidades de forma a melhorar a sua condição social, são as maiores causas identificadas pela maioria dos confrontos entre grupos de jovens ou ainda situações de violência praticadas por jovens na rua. A violência e falta de segurança do bairro (cerca de 20 casos por mês registados em 2011 e 2012 pela Esquadra de S. Filipe) é uma preocupação constante da população. As mulheres são as maiores vítimas, sobretudo de violência física e psicológica (ofensas corporais, ameaças, injúria, tentativa de violação sexual), enquanto os homens são mais vítimas de ameaças, assaltos, e furtos, e os principais agressores.

As mudanças ocorridas nas relações sociais derivadas da complexificação social do bairro, o aumento da densidade habitacional e populacional que traz conflitos pela gestão de um espaço limitado, a vida vulnerável e instável de uma grande parte da população, a falta de ocupação de jovens que abandonaram a escola e que enveredaram por comportamentos de risco (álcool e drogas, violência) o sentimento de insegurança crescente na população, configura um cenário de conflito latente no bairro.

A falta de um núcleo/comissão de bairro que congregue as instituições locais e moradores e que represente o bairro e promova o seu desenvolvimento, aliado à fraca consciência e participação da população na resolução de problemas comunitários e ao deficit de actividades de promoção dessa consciência cívica e participativa da população, coloca Safende num quadro de desarticulação para a resolução dos seus problemas internos sentidos. O desenvolvimento do bairro de Safende, isto é a passagem de um bairro fragmentado e pouco articulado para um bairro agregado e articulado para a resolução de problemas comuns, passa por uma articulação multidimensional, entre as várias dimensões urbanística, ambiental, económica, social. Passa ainda por um maior investimento público e privado nessas dimensões de forma a uma maior desenvolvimento comunitário; pela articulação entre as suas forças e potencialidades, e o aproveitamento destas para o desenvolvimento comunitário; por uma maior comunicação e coesão entre a população das diversas subzonas, e entre os diversos atores locais envolvidos no processo de desenvolvimento do bairro; por uma maior articulação entre os vários atores locais e externos, com intervenção no bairro; por uma maior abertura para o exterior, visibilizando a intervenção local, fortalecendo relações de complementaridade com as outras áreas urbanas e outros atores, atraindo pessoas, instituições e actividades para o bairro, e levando os moradores e as instituições do bairro a outros espaços de aprendizagem e de integração que podem ser motores para o desenvolvimento do bairro.