A morte do adolescente
Douglas Martins no último domingo na zona norte de São Paulo por um
disparo de um policial militar traz a tona múltiplas questões em relação
à atuação da Polícia Militar. São questões muito mais complexas do que o
debate polarizado que se coloca em relação à Polícia. Para
compreendê-las é necessário abertura por parte dos críticos do trabalho
da corporação e por parte da polícia em relação às críticas que recebe.
Polícia só é polícia
porque é autorizada legitimamente a usar a força. Gostemos ou não, é
preciso reconhecer essa autorização e discutir se e como nossa polícia
está preparada para usar a força corretamente.
A prisão do policial que
fez o disparo é importante, mas não pode ser a única resposta da
corporação. Até porque não se trata de um caso isolado e é preciso
assumir que a responsabilidade também é da própria Polícia e abrir um
diálogo nesse sentido.
Feita essa ponderação
inicial é importante esclarecer que a força é dividida entre diferentes
níveis, que variam desde o nível mais brando materializado pela simples
presença de um policial fardado nas ruas, passando pelo seu poder de
parar alguém para realizar uma abordagem, até o uso da arma de fogo,
nível mais elevado e mais letal da força. A abordagem, em algumas
circunstâncias, pode ser um procedimento de extremo risco e de tensão
tanto para o policial quanto para a pessoa que será abordada, por isso, é
necessário que todos os cuidados sejam seguidos.
Para usar corretamente
todos esses níveis de força, a polícia deve estar permanentemente bem
preparada. O que significa que deve haver normas que regulem o uso da
força, que deve haver formação permanente e continuada para todo o
efetivo, e que deve haver suporte para o policial, tanto em termos de
equipamentos adequados como de apoio psicológico. É necessária, ainda, a
criação de procedimentos operacionais padrão (POP) com detalhamento dos
passos a seguir em relação às diferentes situações de uso da força, com
orientações de medidas corretivas quando as situações saírem do
controle, sendo que a existência de mecanismos de supervisão permanente
sobre como esses POPs são seguidos é tão ou mais importante que os
próprios POPs. Por fim, é preciso que os mecanismos de controle sobre a
atividade policial estejam voltados para o uso da força em seus
diferentes níveis e sejam claros e transparentes para toda a sociedade.
Assim, para cobrar
medidas em relação à morte de Douglas Martins, algumas perguntas
precisam ser feitas: o policial que atirou seguiu o procedimento padrão
para a realização da abordagem? Se não, por quê? Ele conhecia as regras
sobre uso da arma de fogo? Por que não as seguiu? Como era feita a
supervisão cotidiana sobre seu trabalho e sobre a forma como seguia ou
não os procedimentos? Como o seu comandante poderia ter contribuído para
uma melhor supervisão e assim prevenir a ocorrência de abordagens mal
feitas? Ele estava bem treinado? Se sentia seguro e preparado
psicologicamente para lidar com situações de abordagem? E como será o
processo de responsabilização, individual e de sua equipe, em
decorrência do ato que cometeu?
São as respostas a essas
perguntas que podem ajudar a melhorar a capacidade da polícia usar a
força, desde que a corporação e a sociedade estejam dispostas a travar
um diálogo franco e aberto sobre elas.
Luciana Guimarães e Carolina Ricardo, do Instituto Sou da Paz